terça-feira, 28 de outubro de 2008

Um texto entre aspas

Acordei...
E não me perguntes porquê
Pois eu não sei!

Acordei nesta manhã monótona, surrealisticamente pacata, e, se te perguntas o porquê do uso deste advérbio, é que és dos mais dignos paralíticos mentais, destes que não percebem o quão exótico é a existência concreta.
No entanto, espero que não te padeças, pois nem todos nós humanos simiescos somos produto do mesmo genitor, nascem os filhos da oca, os filhos do Pai, os filhos do tédio e os filhos da luta. (Pásmem: nascem também os filhos da puta)
Porém... Quem tu chamas filho do tédio, eu chamo os filhos da dúvida, pois sabido é São Tomé que só crê no que vê, mas mais arguto é quem tudo questiona, não crê, eis os que realmente conhecem: os que sabem não saber. Doutos são aqueles que não admitem a verdade, que não se induzem ao erro da verossimilhança. Aqueles que, entre Górgias e dogmas, nas certezas do talvez, enxergam a realidade como ela realmente é: essencialmente provável, dubitável, nada mais.

sábado, 18 de outubro de 2008

Quarteto do outro dia

Se eu te cantei em esmero
Saiba que não fui sincero
Você sabe como é que é...
Eu tinha cheirado rapé!

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Um brinde de pinga pura

Eis que te escrevo agora este poema
E espero que não haja problema
Em redigir-te esta lembrança
Dantes que os ventos tragam mudança

Eis apenas um bilhete em versos
Sem intentos ou alicerços

Mas peço-te para que nunca desista
Nesta ode a ti, amigo Toscano
Que não é passadista ou futurista
Mas sim meu poeta... cotidiano

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Epitáfio de um vivo

Já não me importa se o tempo corre.
Para um covarde
Qualquer hora que se morre
Será sempre tarde.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Estupro

Choras agora... Clara dos anjos,
Mas não choravas outrora.
Choras...porque foram embora
Os teus falsos arcanjos

E do teu corpo imenso
Usurparam o viço
Deixaram, em compenso,
Este lixo mortiço

Mas tu...
Tu entregou-te ao encanto gentil
Do burguês imbecil
E em tresloucada sassanha
Rendeu, tua virgem aranha

À esta elite senil
Que mastiga,
Gulosa e febril,
A tua vagina enxuta
És uma puta, Brasil!
És uma puta!

domingo, 12 de outubro de 2008

Quadra

Pois um dia irei falar-te
E com fala bem dizida
Que assim concebo a arte
Assim, com sebo, a vida

Carniça lírica

A uma máquina

Ah... Mas que imenso tédio...
Desses homens de verso raso
A caminho do parnaso
Em poesia de intermédio

Tu... te julgas ourives
Mas escreves submerso
Nos rigores deste verso
Cujo, em falta, tu não vives

Se ruminas o filé convencional
E te julgas poeta, julgas mal
Pois poeta é aquele que vê luz
Nas carnes duras dos urubus

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Folha Alva

Tu, que me impõe vaidade
Fita-me com sarcasmo
Esvai-me o entusiasmo
Engole-me o orgasmo

Tu, que me humilhas
Não sentes a dor do poeta
Continuas ereta
Lividez indiscreta

Cúmplice de passados mil
De desdenho sutil
Sóbria e calva

Sei que ainda não ouviste a torpe febril
De mim, homem vil
Folha alva

Um quê de Caliban

B asta, cansado estou de tantas juras
O lvidei-as, todas essas insânias puras
C antei para mil musas
E ncantei mulheres obtusas
T orpeza, assim nomeio tão nulo esmero
A gora digo-lhe: É a ti e só a ti que quero!

domingo, 5 de outubro de 2008

O Raté

Jonas: Eu vô chumbá aquele preto mardito
Junin: Carma, vô. Vê lá que qui cê vai fazê!
Jonas: Eu vô é matá mesmo aquele nego fí duma égua. Tu acredita que o fi duma quenga véia, levô minha meió pinga imbora?
Junin: Vô... não se resolve as coisa assim, desse jeito. Eu vô lá conversá com o Zé... ele vai pagá tua pinga. O sinhôr vai vê!
Jonas: Ara, Junin... Não é questão de pagá... é questão de honra... a honra é a maió das virtude que quarqué fragelado pode receber nesse mundão véi de deus. E cada um tem que vigiá bem a sua.
Junin: Mais vô... não é anssim que se preza pelas nossa virtude... a vida tem que sê respeitada é em quarqué circunstância. Nóis tudo é igual perante deus, vô.
Jonas: ... e quem é que te ensinô uma asneira dessas?
Junin: Aprendi na igreja, vô. E num é asneira não!
Jonas: Pois eu vô falá cum a tua mãe, tu não vai mais pra igreja... ara sô... óia só se meu neto vai tê os miôlo cumido por esses mequetrefe de uma figa... Esse povo só qué é dinheiro, Junin... eis tão cabano com a sua inteligênça.
Junin: Vô...
Jonas: Óia só, Junin... seu vô num é homi de sabidoria igual ucê é. Mas seu vô viveu muito mais que ocê e se tem alguma coisa que eu aprendi nessa vida ordinária é que ninguém é igual a ninguém! Num importa se é perante deus ou o diabo ou sei lá o quê! Cumé que ucê qué que eu acredite que eu sô igual ao seu Milô da rua de baixo... aquele viado, fi duma quenga, que esbanja aquele luxo todo de sobejo, aquelas vaca gorda, aqueis bezerro massudo, aquela exuberança toda de capim e mí...Enquanto isso, tá aqui o pé rapado do seu avô, que num tem uma tora de madeira pra queimá, uma inxada pa ará aquela terra véia e seca imprestável que o meu pai mi dexô... Não tenho um boizin das carne escassa sequer pra calá esses barúi do bucho. E ocê quer que eu acredite que nois aqui tudo é igual?... Quando um espertin dum nêgo pilhérico leva a sua última garrafa de pinga é que cê percebe que nessa vida, a meió arma qui se pode ter não é perdão ninhum... É uma boa duma carabina regulada e carregada. Não sobra lugar présses valôr nesse mundo de hoje não, Junin. O meió qui cê faz é aprendê a si cuidar e não confiá em ninguém.
E nesse intervalo modesto de tempo, passa correndo um negro ligeiro, louco pelo estradão vermelho coberto de baquearas secas. Pulando hábil pelo solo escaldante, pra não torrar os pés descalços.
Jonas:
ORA... VOLTE AQUI SEU PRETO FÉ DA PUTA, CÊ VAI APRENDER A NUM ROUBÁ MAIS PINGA MINHA!
E em um arranque tresloucado, pelo sol abrasador, foi-se o velho Jonas à reaver o que lhe foi desprovido, aos sons de tiros e gritos rasgantes, pelas veredas desse cerrado seco de fogo.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Olho vivo

Um prefácio ordinariamente breve

Vejam vocês que até os meus 15 anos nunca havia experimentado da audácia de observar... de analisar a alteridade... Nasci um mulato pobre goiano, e por esses arrabaldes não se costuma dar muito crédito aos que sabem ver, pois quando se nasce pobre, vê-se tão somente o que não se quer ver.
Quando nasce-se pobre, nasce-se filho da cegueira... Uma cegueira que fomenta a fome de viver. Que faz da indigência, um sorriso amarelado. Que faz da luta, fé ... Fé cega e forte.
A cegueira que faz de uma caixa-de-fósforos, uma cadente percussão.
E como o meu povo, essa prosa nasce cega, como as invasões, as periferias, as favelas e toda a penúria que emporcalha este mundo abjeto.


OLHO VIVO

Abri meus olhos pela primeira vez em uma tarde escaldante de algum dia perdido no tempo, pelas ruas secas e avermelhadas do meu bairro, longe do luxo das rotinas... Longe dos caprichos do mal estar.
Não foi um grande dia, não foi um grande momento... Foi esse o dia em que abri meus olhos.
Meus remelados e anêmicos olhos de negro mal nutrido.
Quando se é moleque, não se enxerga a magnitude da morte, é um desvanecimento leve, brando e que vem de amiúde. Diferente é de quando se enxerga a morte bruta, humana, ensangüentada, e quando se enxerga o mundo, a percebe-se de sobejo, banhada de toda a intragável e rança injúria possível. Quando se é cego, conhece-se o mundo toldado pelos instintos do lucro... vê-se a iniqüidade sempre plangente, sempre exuberante, mas crê-se na transgressão social, pouco sabe-se, mas crê-se, crê-se bastante... luta-se excessivamente... como o besouro que se debate de bruços ao chão, até morrer esmagado.
Imagine o quanto seria de tamanho júbilo o ocaso de um cego ter numa bela manhã, seu primeiro encontro com as cores, as formas, as luzes ou qualquer outra ilusão dos olhos. Pois de fato, este momento de feitiço seria repleto de uma maciez esperançosa e confortante a quem viveu na abstração táctil do mundo (mesmo que a tenha apreciado). Mas o momento em que abri os olhos foi um momento de eterno e febril encontro com o pior que se pode conhecer do arrependimento, da decepção e (pásmem!) do tresloucado conformismo.
É que quando se é adulto, no sentido mais depreciativo que a palavra pode apreender, e seus olhos costurados, pelos fios cruéis da tiflose humana...finalmente se abrem, o resultado, a reação ao soberbo holocausto humano... é de um simples... um simplíssimo estado de... vegetabilidade.

Cosmovisão

Nossa... Que lua...
E este lume das estrelas,
Os casais joviais.
Que visão de amor...
Que suave esplendor!

Que gloriosa rua,
Onde aqui se situa
O senhor sentimento
Do mais belo alento
Do mais doce luar
É...
Acho que vou vomitar.

A Ressaca poética no ser moderno individualista ocidental globalizado

Não quero mais
Ouvir falar
Das catedrais
Ou do luar

Nem mais saber
Da lira quente,
Fremente
A derreter

Tampouco quero
A lira mente
Coerente
E sem esmero

[...]

Quero antes a rotina
A ama-seca matutina
O lirismo "só mais cinco minutos"
Dos professores substitutos

O lirismo do tédio
Da boca seca
Sem remédio
pra enxaqueca

O lirismo soneca
De quem, de madrugada,
Acorda de cueca
E, de cara amassada,
Arranca um pentelho
E escova os dentes
Em frente ao espelho.

Receita

Unte a forma em luxo
E encha-lhe o bucho
Um bocado

Salpique à tirania
Toda a hipocrisia
Do agregado

E, claro, não se esqueça
Acomponhado da condessa
Ou do bonado

E eis aí, meu rapaz,
O jeito que se faz
Um deputado