sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Olho vivo

Um prefácio ordinariamente breve

Vejam vocês que até os meus 15 anos nunca havia experimentado da audácia de observar... de analisar a alteridade... Nasci um mulato pobre goiano, e por esses arrabaldes não se costuma dar muito crédito aos que sabem ver, pois quando se nasce pobre, vê-se tão somente o que não se quer ver.
Quando nasce-se pobre, nasce-se filho da cegueira... Uma cegueira que fomenta a fome de viver. Que faz da indigência, um sorriso amarelado. Que faz da luta, fé ... Fé cega e forte.
A cegueira que faz de uma caixa-de-fósforos, uma cadente percussão.
E como o meu povo, essa prosa nasce cega, como as invasões, as periferias, as favelas e toda a penúria que emporcalha este mundo abjeto.


OLHO VIVO

Abri meus olhos pela primeira vez em uma tarde escaldante de algum dia perdido no tempo, pelas ruas secas e avermelhadas do meu bairro, longe do luxo das rotinas... Longe dos caprichos do mal estar.
Não foi um grande dia, não foi um grande momento... Foi esse o dia em que abri meus olhos.
Meus remelados e anêmicos olhos de negro mal nutrido.
Quando se é moleque, não se enxerga a magnitude da morte, é um desvanecimento leve, brando e que vem de amiúde. Diferente é de quando se enxerga a morte bruta, humana, ensangüentada, e quando se enxerga o mundo, a percebe-se de sobejo, banhada de toda a intragável e rança injúria possível. Quando se é cego, conhece-se o mundo toldado pelos instintos do lucro... vê-se a iniqüidade sempre plangente, sempre exuberante, mas crê-se na transgressão social, pouco sabe-se, mas crê-se, crê-se bastante... luta-se excessivamente... como o besouro que se debate de bruços ao chão, até morrer esmagado.
Imagine o quanto seria de tamanho júbilo o ocaso de um cego ter numa bela manhã, seu primeiro encontro com as cores, as formas, as luzes ou qualquer outra ilusão dos olhos. Pois de fato, este momento de feitiço seria repleto de uma maciez esperançosa e confortante a quem viveu na abstração táctil do mundo (mesmo que a tenha apreciado). Mas o momento em que abri os olhos foi um momento de eterno e febril encontro com o pior que se pode conhecer do arrependimento, da decepção e (pásmem!) do tresloucado conformismo.
É que quando se é adulto, no sentido mais depreciativo que a palavra pode apreender, e seus olhos costurados, pelos fios cruéis da tiflose humana...finalmente se abrem, o resultado, a reação ao soberbo holocausto humano... é de um simples... um simplíssimo estado de... vegetabilidade.

Nenhum comentário: