sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Saravá, seu Zé Pilintra!

- Ô Zé, quando for na lagoa,
Vê se toma cuidado
Com o balanço da canoa!

- Ô Zé, me faça o que quiser,
Mas não me machuque
O coração dessa mulher!

- Ô, seu Zé ...
Zé Pilintra enganador.
Que enganou a minha jovem
Com palavras de amor.

- Não foi eu, não...
Foi ela quem me enganô.
Eu passava, ela dizia:
"Zé Pilintra, meu amô"

- Essa puta é minha.
Puta minha é putona.
Quem quiser puta gostosa
Que vá buscar na zona!

-Ô seu rufião,
Me dê o seu perdão.
Que muié que cai na rede
Eu não deixo na mão não.

- Zé Pilintra, tu é macho,
E macho eu respeito.
Se você quer puta boa
Eu arranjo uma no jeito.

Ao fantasma de Manuel Bandeira

Enquanto o fogo, quente e cru,
Das cinzas, queima-me o olhar.
Peço para que, ao menos no bar,
O senhor fique quieto. Mas tu...

Falando-me da mesma mulher,
Pergunta-me, ao som do luthier:
"É mesmo ela que você quer?"
Ó... meu amigo, meu caro...

Eu já nem sei que é querer.
Se isso mo fosse tão claro,
Se eu soubesse o que quero,

O senhor pode ter certeza
Que subiria naquela mesa
E lhe cantaria um bolero.

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

To The Whore Who Took My Poems

some say we should keep personal remorse from the poem,
stay abstract, and there is some reason in this,
but jezus;
twelve poems gone and I don't keep carbons and you have
my
paintings too, my best ones; its stifling:
are you trying to crush me out like the rest of them?
why didn't you take my money? they usually do
from the sleeping drunken pants sick in the corner.
next time take my left arm or a fifty
but not my poems:
I'm not Shakespeare
but sometime simply
there won't be any more, abstract or otherwise;
there'll always be mony and whores and drunkards
down to the last bomb,
but as God said,
crossing his legs,
I see where I have made plenty of poets
but not so very much
poetry.

(Charles Bukowski)

sábado, 13 de dezembro de 2008

Prece à levedura

Você...
Ó criatura unicelular
E, portanto, divina,
Que da singela rotina
Faz de ofício saciar
A nossa sede tremenda.
Nós, os ébrios glutões,
Que de litros (milhões)
Enchemos a fenda,
Devemos-te reverência,
Ó Zeus da embriaguez
Ó suprema Providência.
Traga-nos, outra vez,
O verdadeiro puro sumo
Dos galhos da parreira
Para que assim, o consumo
Seja logrado. A bebedeira
Apreciada e usufruida
Aqui, na nossa igreja,
Que serve, de bebida,
Três ou quatros tonéis
Da melhor cerveja
Aos distintos fiéis.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Bekräftigen ist lügen

Pour la mondialisation et le génocide culturel

"I will never write
In this language
Of such imbecile men"
I said to them,
Imposin' my image,
I assured: "Alright?
I'm a true patriot, as you can see."
Now... Where is the damn irony?

PS: Δεν είμαι ένα κοσμοπολίτης

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Dostoiévski na roça

Le Canaille diz:
Vou para Pernambuco estudar frevo
Felipe diz:
E me deixar?
Le Canaille diz:
Sim...
Le Canaille diz:
Todo gênio é um tratante
Le Canaille diz:
E isso também se aplica aos músicos regionais, Maria...

Trilha sonora: Goianinha - Rolando Boldrin

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Uma Homenagem a trois!

Como todos vocês, velha platéia ausente, já estão habituados, aqui estou mais uma vez com algumas delícias literárias filadas de outros poetas. Aqui trago outra obra cotidiana pós-moderna intuitiva-dialética-jungiana de Toscano (há quanto já não ouvem este nome? Não, não estamos enamorados.) . Seria insensatez apresentar aqui, textos que, em certas circunstâncias, competem com os meus. Entretanto... vocês, corja de canalhas, não estão ainda preparados (maculados de valores morais rotos) para a doçura do egoísmo, então, para que continuem sempre voltando e satisfazendo-me com vossas ponderações idiotas, (para que eu possa assim, finalmente, apoucá-las) eis aí a concorrência:
(Durval, desce mais uma!)

Classificados

Necessita-se de empregada
Cinco vezes na semana
Que cozinhe, lave e passe
E seja boa de cama.

Guilherme Toscano

post-scriptum: Se, por algum motivo, alguém aqui tenha se ofendido, é bom estar ciente de que vou dormir bem esta noite.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Superação - Um canto ao Übermensch

"Derribar ídolos - isso sim, já faz parte do meu ofício."

Em um furor simbólico,
Comerei tua carcaça.
Ó... Melancólico
Homem, minha caça.

Hei de definhar,
Aos poucos, um a um,
Cada senso comum
Que semear.

Por derradeiro,
Te farás em pranto
E eu, no entanto,
Deixarei-te inteiro

Para que observe
Tamanha desgraça:
O fim da tua raça,
Que agora me serve.

O doce é para quem não conhece o amargo

"Se a tua dor te aflige, faz dela um poema."

Mesmo em analgia,
Ainda assim escrevo
Neste louco enlevo
De pura ironia.

Isto sim é poesia.
Mas que será que diria,
Este Eça de Queirós,
Lendo verso tão atroz?

Relato de um delirium tremens

São meia noite... Diz o Okaran que é tempo de mudança, de passagem. Não vejo muita evolução na minha situação, teimo sempre nos mesmos ofícios, pensar, ler e, claro, beber em demasia. E sempre que desvio desta trindade divina, acabo me arrependendo. Apesar de toda esta ânsia que me arrebata, sou ainda discípulo de Baco, não deixo a tragédia pender para um lado só. Frederico? Sente aí, meu velho. De qualquer modo:
- Laroiê, Exu!
E só para não dizer que te desrespeitei, dar-lhe-ei um bom cigarro. Pronto. Estamos reconciliados? Ótimo.Retomando... Presumo que as pessoas não mudem, as causas secretas são sempre as mesmas, só mudam as roupas. Machadão! Sinta-se a vontade. Por vezes penso se eu não precisaria de uma convicção, uma ideologia pela qual morrer, uma crença, algo que me preencha os dias vazios. Já cansou-me o recreio de gracejar com o amor. Mas não posso negar que enchem-me de um certo saudosismo, todas essas lembranças. Não, não... é a cachaça. Huxley? Venha cá, homem. Puxe uma cadeira. Olha só quem está aqui... Edmundo... Martinho... Bretano...
Que beleza, esta paisagem pálida e pontiaguda... Estes homens com suas carecas impregnadas de sebo... sorrindo, com os dentes castanhos, para as cinqüentonas lascivas de batom rubro, que impõem as saliências com estes decotes arqueados.
Um mulatame só... Digno dos botecos mais pestilentos! Grande Liminha, pegue uma cândida na minha conta.
Penso eu que sempre acabarei voltando para cá... Este bar é a minha casa... aqui venho arejar as idéias, esclarecer, clarificar... Aí está! Quero fazer daqui o meu jazigo! Que acha, Immanuel?
Epitáfio? Epitáfios são clichê, meu amigo. Sou irreverente, quero algo além... farei de um rótulo de vodka minha inscrição tumular. Sepulcralmente alcoolizado.
Sabe, Guto... vejo muitos de vocês aqui dando ênfase ao dualismo em suas obras... Que asnice!
O dualismo é corolário da imposição moral religiosa de bem e mal... somos todos além disso, além do bem e do mal, transvalorizamos todos os valores. Não obstante... não deixa de me instigar a obra que preza pelos meios soturnos. É de uma roupagem deleitável.
Meu bucho, meus intestinos, meu gargalo, meus beiços... está tudo imbuído de álcool. Estou sozinho... como sempre quis! Encontrei a paz de espírito que só se encontra no convívio dos livros, dos mortos e dos ausentes.
Evoé, minha turba!
- Evoé!
Que fazes aí introvertido, Plauto? Junte-se a nós.
João Paulo... sei que você, ainda que como eu, amante das promíscuas, sempre maldisse meu hábito de escolher mulheres pelo intelecto. À despeito disso, todas elas me pareceram, depois que rebentaram as férias, décadents. Sinto falta daquelas psiques atraentes...
Não é que eu queira difamá-las, é só uma leitura de conduta. Veja... não é o Watson na outra mesa? Velho carrancudo!
O quê? No balcão? Ora... sim... é ela! E como é deliciosa...Que bela moça...O quê? Ir ter com ela? Nunca! Já faz tanto tempo...Não sou de perecer por memórias. Está bem, está bem... já que instam tanto.
- Olá, minha formosura...
- Que queres?
- Quero este corpo esbelto.
- Saia daqui... estás bêbado.
-E tu... estás linda.
Ai... a maldita deu-me uma bofetada. Não era ela... era só uma garçonete.
Voltaire... és um zombeteiro.
Garçom... Traga mais uma!

Do domínio público

Em um dia nublado, desses de se dar apenas com as cobertas, ruminava a vida um desses velhos decrépitos, das madeixas alvas, preto que nem coivara tostada. O velho metia-se só consigo e seu cachimbo antigo, dos tempos da espada, mas de madeira boa, dissimulado pelo chapéu de palha, que lhe escondia um palmo e meio da cara.
Parecia que não tinha casa, não arredava o pé daquela sarjeta imunda que lhe servia de alcova. Não enchia ninguém, nem queria, valia-lhe muito só o cacoete que tinha. É que aquele velho, sem nome, sem nada... bicho-do-mato fora do nicho, engolia horas e horas, pela solidão, a espiar a majestosa cidade cinzenta, selva poligonal. E dizia a quem perguntava, com as palavras bem medidas, que só o roceiro, na simplicidade da mente e dos almejos, pode dizer:
- É que isso aqui é tudo meu, ninguém me toma!
Respondia com a mesma resolução para quem quer que fosse, igual máquina idosa entregue à poeira.
Um dia, desses que ninguém entende por que motivo chamam outro, se em nada é diferente, veio um bom mulatinho de nariz empinado, na lepidez da pressa, convencido que só, com o sarará bem penteado às maneiras da corte e terno de segunda de mal corte.
Parou no empório defronte à sarjeta. Gesticulou com a mão. Pediu com a voz maçante de palrador:
- Um café bem doce. Por favor.
Fitava com asco os zé-povinhos que lhe vinham à vista.
Em circunstância alguma havia de estar lá se não fosse o pouco dinheiro.
Ainda com altivez, desviou o olhar ao proprietário e indagou:
- Que tem aquele velho do outro lado da rua?
- Tem é nada. Ele é assim mesmo.
O mulatinho pôs-se a matutar, checando de soslaio se lhe assistiam à evidência de sua superioridade. Ao passo que os fregueses hauriam o caldo de estranheza que o mulato lhes preparou. De olhar obstinado, munido dos versículos que lhe ensinaram os brancos, foi o colonizado ter com o preto:
- Que faz aí?
Continuou o preto tácito, sorvendo as baforadas deliciosamente pela boca ressecada.
- Acho que você não me ouviu...
Nada do preto, nenhum esboço de olhar, nem de través.
- Perguntei que fazes aí!
De repente ressoou um sopro franzino de voz, era o preto:
- Só cuido do que é meu.
- E que que é teu?
- Minha mata.
- Que mata, homem?
Não vê que estamos em pleno centro urbano?
O velho soltou um suspiro de desdém e se calou novamente.
O capitão-do-mato continuou a atiçar:
- Anda, velho besta... Desembucha! Senão hei de arranjar um jeito de tirar-lhe daqui.
- Deixa-me em paz.
- Deixo-te em paz se me responder.
O velho tirou da algibeira um chumaço de fumo e preparou outra nuvem de fumaça lívida que se misturou rapidamente pelos pavimentos.
- Vamos, diga!Por um intervalo de tempo, só se percebia a brisa emanada das ventas dos dois. O mulatinho, uma pilha de impaciência, instava e o preto, pachorrento, ignorava o outrem. Eis que então o mulato, já ávido, por discutir e argumentar, limpa a testa molhada de suor e, sorrindo de escárnio, profere:
- Já sei que é... Você pensa que a cidade é sua, né? Negro bobo. Deve estar louco, só pode ser.
Pois eu poderia te explicar bem o que te faz tão louco, mas não perderia meu tempo com gente ignóbil feito você.
O negro assistia calado a toda aquela tagarelice. O mulato adestrado, não se contendo de apresentar o que tinha aprendido, dava vazão à conversa:
- Pois é, seu nego velho... Você já ouviu falar de Rousseau? Imagino que não. Não é do seu gabarito.
Já saciado com a citação, não procurou esbanjar-se do conhecimento enorme que as enciclopédias em promoção haviam-lhe dado.
Calou-se por um tempo.
Porém, o silêncio gritava aos seus nervos auditivos, mordia-lhe as orelhas, não era de sua índole deixar um negro tão burro ali, sem troco, estorvando o movimento do bom trabalhador.
- Não vai dizer nada?
- Dizer o quê, seu moço?
- Ora... Alguma cousa!
- Não tenho nada pra dizer.
Só o que vocês querem é tirar tudo o que eu tenho de mim.
- Ô, velho imbecil...tu não tem posse de nada não! Tu é pobre. E vai morrer pobre, afundado na cachaça, preto doido.
A serenidade do velho atormentava o mulato, já estouravam-lhe as veias do pescoço, a mente, embotava-se, a visão estava turva. Disse, em um esforço cabal:
- Vou chamar alguém para tirar-lhe daqui.
- Faz isso não, sinhô... Vai fazer isso por quê? Que que eu te fiz?
- Não é por mim. Por mim eu lhe deixaria aí, vivendo de fumo pelo resto da vida. Mas eu tenho meu dever como cidadão. Alguém precisa assear o lixo.
- Do que que o senhor me chamou?
- Lixo... é isso que o senhor é: A encarnação, se é que há carne nesses corpo fino, de todo o atraso, de todo a escória do nosso corpo social.
- Ora, seu...
O preto lançou-se sobre o almofadinha, que, tomado pelo nojo de toda aquela cultura estranha e inferior sujando suas roupas falsas, gritou, afoito, por algum ato de nobre de solidariedade.
Ainda que os berros agudos do mulato afeminado se alastrassem pelas ruelas terrosas da cidade, veementemente, insuportavelmente, ninguém foi capaz de ouvi-lo.
O curso ignaro dos miseráveis e dos filisteus persistia, surdo e intacto, das acordos ilícitos dos granfinos aos assaltos fulminantes da baixa bandidagem. Naquela tarde, a sociedade não chorou a morte de nenhum dos seus filhos dementes, mas sorriu um sorriso estranho, um sorriso novo e singelo de satisfação.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Hino à Piña Colada

Boêmio
Que tem nisto aqui?

Garçom
Creme de côco e abacaxi.

Boêmio
Oh... Soy loco por ti,
Mi bella amada.
Te quiero tanto.
Por ti, yo canto,
Piña colada!

Sobre a raiva

À guisa de prefácio

Bip!
Começou o dia. Acordam as chapas metálicas às luzes inquietantes do sol azul-róseo. É a última moda. Corram, corram, corram... que o dinheiro corre também. Que fome... que sede... Quanta velocidade, jesuscristo® inc.! Dança a humanidade aos pitorescos e monotônicos ritmos. Calcule a área deste poema.
- Cultura de rico é um rear, seu moço!
- E de pobre?
- Tamém.
Todo o pensamento humano cabe em uma pequena caixinha. Quem diria... parece tão pequeno agora! A arte é belíssima... Um amontoado de imitações retorcidas, seladas, carcomidas, servidas a la sorrisê falsê *Plim*
- Onomatopéias! Por quê não pensei nisso antes? Pode vender bilhões.
- Que fará com o dinheiro?
- Comprarei mais, ora.
Quem há de distingüir hoje que é homem e que é máquina? Quem é extensão de quem?
Último lançamento: $userania e vassalagem.
- Mas isso é plágio!
- Não, é retrô.

Sobre a raiva.

Era desses caras calvos, de unhas bem cortadas e dentes alvacentos. Boi entregue ao rebanho. Um primor de rotineiro. Tinha uns cabelames falsos, que sempre usava ao sair. Deglutia diariamente sua ração nutritiva, pura energia. Lixo industrial, overdose de carboidratos. Bom garoto! Seu rosto, escaveirado, os braços delgados, as perninhas fracotes. A pança? Monstruosa... Que interessa? Ainda tinha sua peruca. Pagava um curso de ginástica oriental mês que vem. Quem sabe algum mês que vem. Com lepidez e bom humor, sorriu e ingeriu seu carbonato de lítio. Nova fórmula, agora mais eficaz!
Dirigiu até o trabalho, as pernas não agüentariam o peso do corpo até a esquina.
- zé!
- Diga, Chefe!
- zé, vá ao banco preciso fazer um depósito na minha conta.
- OK. Onde está o dinheiro?
- Ora... que audácia! Leve o seu. É para isso que te pago.
- Tudo bem, Chefe.
Imprimiu um sorriso jubiloso e foi dar com o ofício. Lá chegando, viu tantas máquinas, sentiu-se em casa.
- Por favor... Gostaria de fazer um depósito.
A atendente, em um sorrir maquinal, impôs um contíguo grosso de papéis à mesa.
- Que é isso?
- Lista de impostos. Por favor, transite até o caixa 37.
zé olhou perplexo... Mas obedeceu à ordem com solicitude.
- Por favor... Gostaria de fazer um depósito.
Sobre a mesa surgiu outro tablado espesso de folhas brancas.
- Que é isso?
- Lista de impostos. Dirija-se até o caixa 21.
- Já tenho uma dessa.
- Não, senhor, esta é outra. Dirija-se até o caixa 21.
zé continuou, sempre mantendo seus bons princípios. Que bons princípios?
E por estes movimentos mecânicos sublimou-se a tarde de zé, em um vai-e-vêm deliberado e repetitivo. Esgotado, exausto, descrente de seus meios... reclamou um colóquio com o gerente.
- Senhor, o senhor não tem crédito o suficiente que outorgue uma conversa com o gerente.
zé estava pasmado, sentiu-se limitado e impotente, profundamente colérico. Ao ocaso deste período, zé, bufou como uma besta, exalando um bafo quente e pútrido, as veias engurgitaram-se e pulsavam loucamente o sangue, que era solução pura de adrenalina, os músculos enrigereceram, os olhos estavam rubros dos vasos robustos que escapavam às órbitas. Saltou sobre a máquina, derribando-a, comprimia os braços da presa co’as garras que lhe faltavam, espancou-a, dilacerou-a, esbroou-a e, ao final, soltou um clamor gultural vitorioso.
A energia somática da besta aniquilou violentamente a máquina. Em um instante, chegou a polícia e, em uma ação legítima pela integridade do Estado, a figura anômala foi baleada.
- Que monstro! Ainda bem que chegaram a tempo.
- Deus, que mundo...

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Mão única

Estava eu, absorto em minhas meditações obscuras e altamente prazerosas. Quando, subitamente, sobrevem-me uma mão lívida e carnuda, que, num gesto resoluto, coçou-me a perna. Mas que ser humano são poderia ter agido tão estranhamente?
Teria sido realmente um ser humano?
Teriam sido reflexos de minha mente doente?
Repasso esta pergunta antes para um fenomenólogo que para um psicanalista (Freud, o explicador que me desculpe, mas não confio em postulados, traga-me antes um banquete metafísico).
A restrição dos domínios da ciência da psiqué provém exatamente da sua aplicação prática (pensem sobre isto um pouco e verão que não estou sendo contraditório, pelo menos não de acordo com os meios racionais.)
Em um ligeiro instante, a manada de silhuetas que por mim, (de onde surgiu a curiosa mão) transitou... Desvaneceu no infinito corredor.
Que era aquela mão?

Prólogo na cama

Ele, deitado, abriu os olhos. Estudou o ambiente. Deu luz aos corpos débeis que o rodeavam. Impôs-se. Adjetivou-os, todos. Tornou-os, também, substantivos. Fez do mundo, o seu mundo. A seu modo. Observando a expressão atônita dos objetos que os cinrcundavam, disse:
- Eu lhes faço compreensíveis! - E após uma pausa, coçando a barba rala, retomou - Os compreendo como bem quero.
A voz áspera do homem se alastrou pelo quarto vazio. Abrindo alas à cadência do silêncio. Ó! E que doce silêncio era aquele. Nenhuma voz o contrapôs. Ninguém ousou diminuí-lo. Sorriu.
- Que seria de vocês sem mim? - disse, mordiscando os lábios, saboreando o cuspo fétido da madrugada.
Levantou o enorme corpo e, ostentando molemente os braços, dirigiu-se ao armário torto.
- Você não é nada - Ponderou ao móvel, que aceitou, resignado, o menoscabo. Experimentou outra vez:
- Nada! - O gordo catou as roupas e desceu lentamente, arrastando as chinelas ransosas escada abaixo. Que barulho horrível! Levando à mão as vestes reais e, lançando o olhar augusto à quietude da casa, foi-se embora o rei momo. Os móveis riam tacitamente do imbecil.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Briga de enchada


De repente, escorreu-lhe o sangue,
Dissolvendo em lama e suor
A abundante matéria mor,
De todo o enorme mangue.

O corpo foi ao chão, enxangue.
E, do trabalho, que fatiga
Fez-se logo boa briga:
O roceiro contra a gangue.

O caipira, em gestos pelos quais
Recebia os golpes vigorosos
Das enchadas marginais,

Ulteriormente, findou a luta,
Com um, ferido, feroz, clamoroso,
Grito :"Eu mato os filhos da puta!"

domingo, 30 de novembro de 2008

Uma quadra panteísta

Que ironia!
A ávida avícula se delicia
Com o verme que se deliciará
Com ela, n'outro dia!

Soneto torto

Caso um dia perguntar-me,
Com a frescura de uma flor:
"Acreditas em amor?" .
Como um gedarme

Responderei, ágil e frio:
"Não conheço tal vileza!"
E sentarei à mesa,
Convicto e sombrio.

E meterei-me comigo
Ao passo que mastigo
Os resíduos da alma.

Contudo, estarei nu
E meu intrínseco tabu
Ruminarei, com calma.

Cântico do domingo gordo

Bebi todo um vinho
Completamente sozinho.
Porque não havia amigo
Pra beber comigo.
Que sorte a minha!
Sobrou-me toda esta vinha.

sábado, 29 de novembro de 2008

De súbito

Quando me observo desamparado, carcomendo-me das ânsias da alma (assaz ilusão) abate-me uma profunda melancolia. Sinto cada acorde, cada arpejo... das lancinantes sinfonias e sonatas... que me embotam as idéias. Os golpes violentos dos arcos dos violinos, o clamor pitoresco e heróico das tubas wagnerianas, o aristocrático e requintado piano. Quanto prazer débil... que lindura! O que é dos sentidos pode atingir proporções colossais, ao sujeito que sente. Não há razão que vença o individualismo e o instinto.

EU SINTO!

Almejo a tua companhia, o teu corpo protuberante. Cada palmo deste que eu quero saber de cor, lambendo a pele lívida e sorvendo-lhe o suor, nesta insanidade cruenta por demais.
De mais... só vale o que é de mais... só vale o que é satisfação e beleza... a beleza inexata, dos filisteus e dos miserentos... A existência é a possibilidade do prazer. Incerteza. Busca.
Traz-me a tua anatomia toda... toda para mim... que quero afagar-te pelas noites gélidas, regadas a vinho seco ou pinga, hauridos diretamente dos teus lábios, dos teus seios túmidos.
E pouco me importa o que procederá. Sou chama... e tudo que toco vira luz... só o que deixo: carvão e fumo. Quero lograr da produção. Produzir saciedade. Mas que produção não vem unida de consumo? A dialética que vale a pena.
Eu quero agarrar tuas curvas... tocar este instrumento de perfeição... quero ter com o diabo... comer tua carne! Ser gente como bicho é... irracionalmente gente. Mais bicho do que gente. Mais fome do que mente. Humanamente... menos arestas e mais curvas, mais rubro e menos cinza. Dou o dedo para os preceitos morais.
Eu blasfemo o alemão de cabelos pálidos: INFELIZ! Não me absterei da plenitude na possibilidade dela.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Convicção

Onde vejo paixão
Já sei que há engodo
Ninguém me joga no chão
Ninguém me passa pé-de-rodo

3 Quadras a Baco

Ainda que feito nas coxas,
Sou dos mais galãs.
Amante das cunhãs
E das vinhas roxas.

Resumo universos
A inquietudes e versos.
Bebo. E os cunhos lambo
De, ensopado em vinho, um ditirambo.

A mim celebram, os ébrios sem fé.
Sou deus de muito charme
E se quiser chamar-me
Brade loucamente: "Evoé!"

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

A uma churrasqueira

Há muito cogitei ser romântico. Cogitei.

Vê aquela cunhã
Que atravessa a rua?
Já assa a carne crua
Pela manhã

Trabalha ingentemente
Vertendo lágrimas secas
Eivando, ás enxaquecas,
A labuta, minha gente.

Esquálido esqueleto mulato.
Vive por miséria os meses.
Arrebanha fregueses
Ao churrasco de gato.

Psiu...você... vê aquela cunhã?
É mulata suada, entregue ao afã.
É pobre, é feia. Mas enfim...
Eu a comeria, mesmo assim.

Panacéia®

Morte aos versos

Fim de semana sem fim
Plantei lírios no jardim
Hoje, ciente, me pergunto:
"E quanto aos cravos-de-defunto?"

Fim de semana sem fim,
Inquiri alguma paz.
Mas que paz é assaz
Se não vivo sem mim?

Poderia ter trocado
Meu eu por um bom sítio.
Ser eu é ser enfado.
Sendo eu sem sal de lítio.

Dose dupla de conhaque
Melhor coisa não havia.
Hoje, em melancolia,
Procuro um bom prozac.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Apagão

Acabou a luz.
Estou no escuro...
Acendo um fósforo,
acendo a vela.
A luz engole as distâncias, luta pelo espaço...
A luz luta pelo ser.
A luz existe, tem que existir.
Ser onda e ser matéria.
A luz luta pelo ser.
Ser por mais tempo em mais espaço;
Ser por mais espaço em mais tempo.
O escuro luta pelo ser...
Luta para ser o que não é,
O escuro não é.
Ser escuro é não ser luz.
Ser escuro é ser o que não é
O que não é, não pode ser o que não é:
Porque não é.
Maldito de quem deu nome ao escuro.
Não que o escuro não seja, realmente, escuro.
Mas, em suma, é muita pretensão dar-lhe um nome.
Visto que ele não é.
É só escuro.
A luz contrapõe o escuro.
Tudo é.
Não obstante, nada é.
E se algo é, deixa de ser.
Se algo é, só o é diante de algo...
O objeto só é, para o observador.
O objeto não pode ser para o observador.
O observador é abjeto, incompetente...
O abjeto não vê objeto.
As únicas certezas de um homem constroem-se fundamentadas pelas idéias mais simples.
Todavia, as abstrações mais simples são, no entanto, as mais prolixas.
São paradoxais.
Inconcebíveis.
Acabou a luz.
Estou no escuro.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Dualismo

--Apolo-------Dionísio-----
--Deus------- Diabo -------
--Fé---------- Razão -------
--Besta------ Übermensch-
--ID--------- Superego-----
-----Homem----------------

domingo, 2 de novembro de 2008

Sabedoria

Em uma velha marcenaria, trabalhavam a preguiça a jogar conversa fora, dois macacos bem maduros e esguios...
- Zé... às vezes não te bate uma vontade danada de saber?
- Saber o quê?
- Saber... uai...
- Trate de trabalhar nesses pião
- Mas, Zé... Será que tudo isso tem explicação?
- Tudo o quê?
- Tudo... essas coisas tôda aqui... será que é tudo isso assim? Será que a gente não enxerga diferente? Será que a gente enxerga?
- Que papo é esse agora?
- Ah... sei lá... espanto.
- Ara sô... espanto de quê?
- É que a vida tá me parecendo diferente agora...
- Hômi... deixa disso e vai trabalhar!
- Mas será que não tem uma resposta por aí?
- E resposta enche bucho?
- Não...
- Então trabalha, homem de deus... que o patrão já vai chegar e vai torrar a gente na brasa se você não terminar isso logo.
[...]
- Sabe, Zé... Eu não vô trabalhar é nada! Por que que é que tem que ser assim?
- Pr’os bobo perguntar.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Um texto entre aspas

Acordei...
E não me perguntes porquê
Pois eu não sei!

Acordei nesta manhã monótona, surrealisticamente pacata, e, se te perguntas o porquê do uso deste advérbio, é que és dos mais dignos paralíticos mentais, destes que não percebem o quão exótico é a existência concreta.
No entanto, espero que não te padeças, pois nem todos nós humanos simiescos somos produto do mesmo genitor, nascem os filhos da oca, os filhos do Pai, os filhos do tédio e os filhos da luta. (Pásmem: nascem também os filhos da puta)
Porém... Quem tu chamas filho do tédio, eu chamo os filhos da dúvida, pois sabido é São Tomé que só crê no que vê, mas mais arguto é quem tudo questiona, não crê, eis os que realmente conhecem: os que sabem não saber. Doutos são aqueles que não admitem a verdade, que não se induzem ao erro da verossimilhança. Aqueles que, entre Górgias e dogmas, nas certezas do talvez, enxergam a realidade como ela realmente é: essencialmente provável, dubitável, nada mais.

sábado, 18 de outubro de 2008

Quarteto do outro dia

Se eu te cantei em esmero
Saiba que não fui sincero
Você sabe como é que é...
Eu tinha cheirado rapé!

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Um brinde de pinga pura

Eis que te escrevo agora este poema
E espero que não haja problema
Em redigir-te esta lembrança
Dantes que os ventos tragam mudança

Eis apenas um bilhete em versos
Sem intentos ou alicerços

Mas peço-te para que nunca desista
Nesta ode a ti, amigo Toscano
Que não é passadista ou futurista
Mas sim meu poeta... cotidiano

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Epitáfio de um vivo

Já não me importa se o tempo corre.
Para um covarde
Qualquer hora que se morre
Será sempre tarde.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Estupro

Choras agora... Clara dos anjos,
Mas não choravas outrora.
Choras...porque foram embora
Os teus falsos arcanjos

E do teu corpo imenso
Usurparam o viço
Deixaram, em compenso,
Este lixo mortiço

Mas tu...
Tu entregou-te ao encanto gentil
Do burguês imbecil
E em tresloucada sassanha
Rendeu, tua virgem aranha

À esta elite senil
Que mastiga,
Gulosa e febril,
A tua vagina enxuta
És uma puta, Brasil!
És uma puta!

domingo, 12 de outubro de 2008

Quadra

Pois um dia irei falar-te
E com fala bem dizida
Que assim concebo a arte
Assim, com sebo, a vida

Carniça lírica

A uma máquina

Ah... Mas que imenso tédio...
Desses homens de verso raso
A caminho do parnaso
Em poesia de intermédio

Tu... te julgas ourives
Mas escreves submerso
Nos rigores deste verso
Cujo, em falta, tu não vives

Se ruminas o filé convencional
E te julgas poeta, julgas mal
Pois poeta é aquele que vê luz
Nas carnes duras dos urubus

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Folha Alva

Tu, que me impõe vaidade
Fita-me com sarcasmo
Esvai-me o entusiasmo
Engole-me o orgasmo

Tu, que me humilhas
Não sentes a dor do poeta
Continuas ereta
Lividez indiscreta

Cúmplice de passados mil
De desdenho sutil
Sóbria e calva

Sei que ainda não ouviste a torpe febril
De mim, homem vil
Folha alva

Um quê de Caliban

B asta, cansado estou de tantas juras
O lvidei-as, todas essas insânias puras
C antei para mil musas
E ncantei mulheres obtusas
T orpeza, assim nomeio tão nulo esmero
A gora digo-lhe: É a ti e só a ti que quero!

domingo, 5 de outubro de 2008

O Raté

Jonas: Eu vô chumbá aquele preto mardito
Junin: Carma, vô. Vê lá que qui cê vai fazê!
Jonas: Eu vô é matá mesmo aquele nego fí duma égua. Tu acredita que o fi duma quenga véia, levô minha meió pinga imbora?
Junin: Vô... não se resolve as coisa assim, desse jeito. Eu vô lá conversá com o Zé... ele vai pagá tua pinga. O sinhôr vai vê!
Jonas: Ara, Junin... Não é questão de pagá... é questão de honra... a honra é a maió das virtude que quarqué fragelado pode receber nesse mundão véi de deus. E cada um tem que vigiá bem a sua.
Junin: Mais vô... não é anssim que se preza pelas nossa virtude... a vida tem que sê respeitada é em quarqué circunstância. Nóis tudo é igual perante deus, vô.
Jonas: ... e quem é que te ensinô uma asneira dessas?
Junin: Aprendi na igreja, vô. E num é asneira não!
Jonas: Pois eu vô falá cum a tua mãe, tu não vai mais pra igreja... ara sô... óia só se meu neto vai tê os miôlo cumido por esses mequetrefe de uma figa... Esse povo só qué é dinheiro, Junin... eis tão cabano com a sua inteligênça.
Junin: Vô...
Jonas: Óia só, Junin... seu vô num é homi de sabidoria igual ucê é. Mas seu vô viveu muito mais que ocê e se tem alguma coisa que eu aprendi nessa vida ordinária é que ninguém é igual a ninguém! Num importa se é perante deus ou o diabo ou sei lá o quê! Cumé que ucê qué que eu acredite que eu sô igual ao seu Milô da rua de baixo... aquele viado, fi duma quenga, que esbanja aquele luxo todo de sobejo, aquelas vaca gorda, aqueis bezerro massudo, aquela exuberança toda de capim e mí...Enquanto isso, tá aqui o pé rapado do seu avô, que num tem uma tora de madeira pra queimá, uma inxada pa ará aquela terra véia e seca imprestável que o meu pai mi dexô... Não tenho um boizin das carne escassa sequer pra calá esses barúi do bucho. E ocê quer que eu acredite que nois aqui tudo é igual?... Quando um espertin dum nêgo pilhérico leva a sua última garrafa de pinga é que cê percebe que nessa vida, a meió arma qui se pode ter não é perdão ninhum... É uma boa duma carabina regulada e carregada. Não sobra lugar présses valôr nesse mundo de hoje não, Junin. O meió qui cê faz é aprendê a si cuidar e não confiá em ninguém.
E nesse intervalo modesto de tempo, passa correndo um negro ligeiro, louco pelo estradão vermelho coberto de baquearas secas. Pulando hábil pelo solo escaldante, pra não torrar os pés descalços.
Jonas:
ORA... VOLTE AQUI SEU PRETO FÉ DA PUTA, CÊ VAI APRENDER A NUM ROUBÁ MAIS PINGA MINHA!
E em um arranque tresloucado, pelo sol abrasador, foi-se o velho Jonas à reaver o que lhe foi desprovido, aos sons de tiros e gritos rasgantes, pelas veredas desse cerrado seco de fogo.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Olho vivo

Um prefácio ordinariamente breve

Vejam vocês que até os meus 15 anos nunca havia experimentado da audácia de observar... de analisar a alteridade... Nasci um mulato pobre goiano, e por esses arrabaldes não se costuma dar muito crédito aos que sabem ver, pois quando se nasce pobre, vê-se tão somente o que não se quer ver.
Quando nasce-se pobre, nasce-se filho da cegueira... Uma cegueira que fomenta a fome de viver. Que faz da indigência, um sorriso amarelado. Que faz da luta, fé ... Fé cega e forte.
A cegueira que faz de uma caixa-de-fósforos, uma cadente percussão.
E como o meu povo, essa prosa nasce cega, como as invasões, as periferias, as favelas e toda a penúria que emporcalha este mundo abjeto.


OLHO VIVO

Abri meus olhos pela primeira vez em uma tarde escaldante de algum dia perdido no tempo, pelas ruas secas e avermelhadas do meu bairro, longe do luxo das rotinas... Longe dos caprichos do mal estar.
Não foi um grande dia, não foi um grande momento... Foi esse o dia em que abri meus olhos.
Meus remelados e anêmicos olhos de negro mal nutrido.
Quando se é moleque, não se enxerga a magnitude da morte, é um desvanecimento leve, brando e que vem de amiúde. Diferente é de quando se enxerga a morte bruta, humana, ensangüentada, e quando se enxerga o mundo, a percebe-se de sobejo, banhada de toda a intragável e rança injúria possível. Quando se é cego, conhece-se o mundo toldado pelos instintos do lucro... vê-se a iniqüidade sempre plangente, sempre exuberante, mas crê-se na transgressão social, pouco sabe-se, mas crê-se, crê-se bastante... luta-se excessivamente... como o besouro que se debate de bruços ao chão, até morrer esmagado.
Imagine o quanto seria de tamanho júbilo o ocaso de um cego ter numa bela manhã, seu primeiro encontro com as cores, as formas, as luzes ou qualquer outra ilusão dos olhos. Pois de fato, este momento de feitiço seria repleto de uma maciez esperançosa e confortante a quem viveu na abstração táctil do mundo (mesmo que a tenha apreciado). Mas o momento em que abri os olhos foi um momento de eterno e febril encontro com o pior que se pode conhecer do arrependimento, da decepção e (pásmem!) do tresloucado conformismo.
É que quando se é adulto, no sentido mais depreciativo que a palavra pode apreender, e seus olhos costurados, pelos fios cruéis da tiflose humana...finalmente se abrem, o resultado, a reação ao soberbo holocausto humano... é de um simples... um simplíssimo estado de... vegetabilidade.

Cosmovisão

Nossa... Que lua...
E este lume das estrelas,
Os casais joviais.
Que visão de amor...
Que suave esplendor!

Que gloriosa rua,
Onde aqui se situa
O senhor sentimento
Do mais belo alento
Do mais doce luar
É...
Acho que vou vomitar.

A Ressaca poética no ser moderno individualista ocidental globalizado

Não quero mais
Ouvir falar
Das catedrais
Ou do luar

Nem mais saber
Da lira quente,
Fremente
A derreter

Tampouco quero
A lira mente
Coerente
E sem esmero

[...]

Quero antes a rotina
A ama-seca matutina
O lirismo "só mais cinco minutos"
Dos professores substitutos

O lirismo do tédio
Da boca seca
Sem remédio
pra enxaqueca

O lirismo soneca
De quem, de madrugada,
Acorda de cueca
E, de cara amassada,
Arranca um pentelho
E escova os dentes
Em frente ao espelho.

Receita

Unte a forma em luxo
E encha-lhe o bucho
Um bocado

Salpique à tirania
Toda a hipocrisia
Do agregado

E, claro, não se esqueça
Acomponhado da condessa
Ou do bonado

E eis aí, meu rapaz,
O jeito que se faz
Um deputado

sábado, 13 de setembro de 2008

Boas vindas!

Boas vindas, velha platéia ausente.
É com imenso prazer que lhes apresento o conteúdo atroz da existência, sob a máscara maviosa do lirismo.
E aqui sim, platéia, encontrarão o verdadeiro lirismo
O tal lirismo dos loucos
O tal lirismo dos bêbedos
O tal lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O tal lirismo dos clowns de Shakespeare.
O lirismo cruento, truculento, macilento...
E este lirismo é deveras indigesto, eu o sei... mas todos hão de engoli-lo a colher de pau! Pois se quiserem sair a rua, podem ter certeza de que não verão os arqueados pomposos da Art Nouveau, amigos.
Verão trapos pútridos humanos... Mendigos, prostitutas, moléstias...
A cadaverina perfumando as crianças putrefatas...
Verão carne... muita carne! intestinos, unto...
Nuvens de dípteros horrendos...
Verão carne humana, negra, fedida, viva, encharcada de cachaça.
Carne velha, abandonada.
Verão a fé plangente pelas sarjetas e pelas alcovas das putas gordas.
Verão o Brasil... não mais verde e amarelo.
E não mais poderão virar essas caras feias, adornadas de quilos e quilos de pó de arroz.
HÁ HÁ HÁ... acham mesmo que se escondem do mundo?
No fundo... No fundo...
Todo mundo é um pouco mundo!
E chegou a hora, minha turba, saiam de seus palácios suntuosos e emporcalhados de quinquilharias frívolas de mal gosto... chega de mascar o seio murcho da exploração.
A Belle epoque jaz morta!
Olhem pela janela... que eu lhes apresento:
O Mundo!