domingo, 30 de novembro de 2008

Uma quadra panteísta

Que ironia!
A ávida avícula se delicia
Com o verme que se deliciará
Com ela, n'outro dia!

Soneto torto

Caso um dia perguntar-me,
Com a frescura de uma flor:
"Acreditas em amor?" .
Como um gedarme

Responderei, ágil e frio:
"Não conheço tal vileza!"
E sentarei à mesa,
Convicto e sombrio.

E meterei-me comigo
Ao passo que mastigo
Os resíduos da alma.

Contudo, estarei nu
E meu intrínseco tabu
Ruminarei, com calma.

Cântico do domingo gordo

Bebi todo um vinho
Completamente sozinho.
Porque não havia amigo
Pra beber comigo.
Que sorte a minha!
Sobrou-me toda esta vinha.

sábado, 29 de novembro de 2008

De súbito

Quando me observo desamparado, carcomendo-me das ânsias da alma (assaz ilusão) abate-me uma profunda melancolia. Sinto cada acorde, cada arpejo... das lancinantes sinfonias e sonatas... que me embotam as idéias. Os golpes violentos dos arcos dos violinos, o clamor pitoresco e heróico das tubas wagnerianas, o aristocrático e requintado piano. Quanto prazer débil... que lindura! O que é dos sentidos pode atingir proporções colossais, ao sujeito que sente. Não há razão que vença o individualismo e o instinto.

EU SINTO!

Almejo a tua companhia, o teu corpo protuberante. Cada palmo deste que eu quero saber de cor, lambendo a pele lívida e sorvendo-lhe o suor, nesta insanidade cruenta por demais.
De mais... só vale o que é de mais... só vale o que é satisfação e beleza... a beleza inexata, dos filisteus e dos miserentos... A existência é a possibilidade do prazer. Incerteza. Busca.
Traz-me a tua anatomia toda... toda para mim... que quero afagar-te pelas noites gélidas, regadas a vinho seco ou pinga, hauridos diretamente dos teus lábios, dos teus seios túmidos.
E pouco me importa o que procederá. Sou chama... e tudo que toco vira luz... só o que deixo: carvão e fumo. Quero lograr da produção. Produzir saciedade. Mas que produção não vem unida de consumo? A dialética que vale a pena.
Eu quero agarrar tuas curvas... tocar este instrumento de perfeição... quero ter com o diabo... comer tua carne! Ser gente como bicho é... irracionalmente gente. Mais bicho do que gente. Mais fome do que mente. Humanamente... menos arestas e mais curvas, mais rubro e menos cinza. Dou o dedo para os preceitos morais.
Eu blasfemo o alemão de cabelos pálidos: INFELIZ! Não me absterei da plenitude na possibilidade dela.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Convicção

Onde vejo paixão
Já sei que há engodo
Ninguém me joga no chão
Ninguém me passa pé-de-rodo

3 Quadras a Baco

Ainda que feito nas coxas,
Sou dos mais galãs.
Amante das cunhãs
E das vinhas roxas.

Resumo universos
A inquietudes e versos.
Bebo. E os cunhos lambo
De, ensopado em vinho, um ditirambo.

A mim celebram, os ébrios sem fé.
Sou deus de muito charme
E se quiser chamar-me
Brade loucamente: "Evoé!"

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

A uma churrasqueira

Há muito cogitei ser romântico. Cogitei.

Vê aquela cunhã
Que atravessa a rua?
Já assa a carne crua
Pela manhã

Trabalha ingentemente
Vertendo lágrimas secas
Eivando, ás enxaquecas,
A labuta, minha gente.

Esquálido esqueleto mulato.
Vive por miséria os meses.
Arrebanha fregueses
Ao churrasco de gato.

Psiu...você... vê aquela cunhã?
É mulata suada, entregue ao afã.
É pobre, é feia. Mas enfim...
Eu a comeria, mesmo assim.

Panacéia®

Morte aos versos

Fim de semana sem fim
Plantei lírios no jardim
Hoje, ciente, me pergunto:
"E quanto aos cravos-de-defunto?"

Fim de semana sem fim,
Inquiri alguma paz.
Mas que paz é assaz
Se não vivo sem mim?

Poderia ter trocado
Meu eu por um bom sítio.
Ser eu é ser enfado.
Sendo eu sem sal de lítio.

Dose dupla de conhaque
Melhor coisa não havia.
Hoje, em melancolia,
Procuro um bom prozac.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Apagão

Acabou a luz.
Estou no escuro...
Acendo um fósforo,
acendo a vela.
A luz engole as distâncias, luta pelo espaço...
A luz luta pelo ser.
A luz existe, tem que existir.
Ser onda e ser matéria.
A luz luta pelo ser.
Ser por mais tempo em mais espaço;
Ser por mais espaço em mais tempo.
O escuro luta pelo ser...
Luta para ser o que não é,
O escuro não é.
Ser escuro é não ser luz.
Ser escuro é ser o que não é
O que não é, não pode ser o que não é:
Porque não é.
Maldito de quem deu nome ao escuro.
Não que o escuro não seja, realmente, escuro.
Mas, em suma, é muita pretensão dar-lhe um nome.
Visto que ele não é.
É só escuro.
A luz contrapõe o escuro.
Tudo é.
Não obstante, nada é.
E se algo é, deixa de ser.
Se algo é, só o é diante de algo...
O objeto só é, para o observador.
O objeto não pode ser para o observador.
O observador é abjeto, incompetente...
O abjeto não vê objeto.
As únicas certezas de um homem constroem-se fundamentadas pelas idéias mais simples.
Todavia, as abstrações mais simples são, no entanto, as mais prolixas.
São paradoxais.
Inconcebíveis.
Acabou a luz.
Estou no escuro.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Dualismo

--Apolo-------Dionísio-----
--Deus------- Diabo -------
--Fé---------- Razão -------
--Besta------ Übermensch-
--ID--------- Superego-----
-----Homem----------------

domingo, 2 de novembro de 2008

Sabedoria

Em uma velha marcenaria, trabalhavam a preguiça a jogar conversa fora, dois macacos bem maduros e esguios...
- Zé... às vezes não te bate uma vontade danada de saber?
- Saber o quê?
- Saber... uai...
- Trate de trabalhar nesses pião
- Mas, Zé... Será que tudo isso tem explicação?
- Tudo o quê?
- Tudo... essas coisas tôda aqui... será que é tudo isso assim? Será que a gente não enxerga diferente? Será que a gente enxerga?
- Que papo é esse agora?
- Ah... sei lá... espanto.
- Ara sô... espanto de quê?
- É que a vida tá me parecendo diferente agora...
- Hômi... deixa disso e vai trabalhar!
- Mas será que não tem uma resposta por aí?
- E resposta enche bucho?
- Não...
- Então trabalha, homem de deus... que o patrão já vai chegar e vai torrar a gente na brasa se você não terminar isso logo.
[...]
- Sabe, Zé... Eu não vô trabalhar é nada! Por que que é que tem que ser assim?
- Pr’os bobo perguntar.