quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Sobre a raiva

À guisa de prefácio

Bip!
Começou o dia. Acordam as chapas metálicas às luzes inquietantes do sol azul-róseo. É a última moda. Corram, corram, corram... que o dinheiro corre também. Que fome... que sede... Quanta velocidade, jesuscristo® inc.! Dança a humanidade aos pitorescos e monotônicos ritmos. Calcule a área deste poema.
- Cultura de rico é um rear, seu moço!
- E de pobre?
- Tamém.
Todo o pensamento humano cabe em uma pequena caixinha. Quem diria... parece tão pequeno agora! A arte é belíssima... Um amontoado de imitações retorcidas, seladas, carcomidas, servidas a la sorrisê falsê *Plim*
- Onomatopéias! Por quê não pensei nisso antes? Pode vender bilhões.
- Que fará com o dinheiro?
- Comprarei mais, ora.
Quem há de distingüir hoje que é homem e que é máquina? Quem é extensão de quem?
Último lançamento: $userania e vassalagem.
- Mas isso é plágio!
- Não, é retrô.

Sobre a raiva.

Era desses caras calvos, de unhas bem cortadas e dentes alvacentos. Boi entregue ao rebanho. Um primor de rotineiro. Tinha uns cabelames falsos, que sempre usava ao sair. Deglutia diariamente sua ração nutritiva, pura energia. Lixo industrial, overdose de carboidratos. Bom garoto! Seu rosto, escaveirado, os braços delgados, as perninhas fracotes. A pança? Monstruosa... Que interessa? Ainda tinha sua peruca. Pagava um curso de ginástica oriental mês que vem. Quem sabe algum mês que vem. Com lepidez e bom humor, sorriu e ingeriu seu carbonato de lítio. Nova fórmula, agora mais eficaz!
Dirigiu até o trabalho, as pernas não agüentariam o peso do corpo até a esquina.
- zé!
- Diga, Chefe!
- zé, vá ao banco preciso fazer um depósito na minha conta.
- OK. Onde está o dinheiro?
- Ora... que audácia! Leve o seu. É para isso que te pago.
- Tudo bem, Chefe.
Imprimiu um sorriso jubiloso e foi dar com o ofício. Lá chegando, viu tantas máquinas, sentiu-se em casa.
- Por favor... Gostaria de fazer um depósito.
A atendente, em um sorrir maquinal, impôs um contíguo grosso de papéis à mesa.
- Que é isso?
- Lista de impostos. Por favor, transite até o caixa 37.
zé olhou perplexo... Mas obedeceu à ordem com solicitude.
- Por favor... Gostaria de fazer um depósito.
Sobre a mesa surgiu outro tablado espesso de folhas brancas.
- Que é isso?
- Lista de impostos. Dirija-se até o caixa 21.
- Já tenho uma dessa.
- Não, senhor, esta é outra. Dirija-se até o caixa 21.
zé continuou, sempre mantendo seus bons princípios. Que bons princípios?
E por estes movimentos mecânicos sublimou-se a tarde de zé, em um vai-e-vêm deliberado e repetitivo. Esgotado, exausto, descrente de seus meios... reclamou um colóquio com o gerente.
- Senhor, o senhor não tem crédito o suficiente que outorgue uma conversa com o gerente.
zé estava pasmado, sentiu-se limitado e impotente, profundamente colérico. Ao ocaso deste período, zé, bufou como uma besta, exalando um bafo quente e pútrido, as veias engurgitaram-se e pulsavam loucamente o sangue, que era solução pura de adrenalina, os músculos enrigereceram, os olhos estavam rubros dos vasos robustos que escapavam às órbitas. Saltou sobre a máquina, derribando-a, comprimia os braços da presa co’as garras que lhe faltavam, espancou-a, dilacerou-a, esbroou-a e, ao final, soltou um clamor gultural vitorioso.
A energia somática da besta aniquilou violentamente a máquina. Em um instante, chegou a polícia e, em uma ação legítima pela integridade do Estado, a figura anômala foi baleada.
- Que monstro! Ainda bem que chegaram a tempo.
- Deus, que mundo...

3 comentários:

Guilherme Toscano disse...

caralho, pirei juba. fiquei até meio tenso com esse segundo conto...

Anônimo disse...

PQP... O primeiro, totalmente (sur)realista, sem comentários. Me lembrou Oswald de Andrade e o clipe de Black Hole Sun. Um maquiado mundo cão esse mesmo... Maravilhoso =D
O segundo... fiquei tensa também... De arrepiar os cabelo do braço, putz...
A cada dia você se supera mais e mais, fii... Continua escrevendo mesmo!! ^^
=***

O Idiota disse...

Ninguém inferiu que o texto que precede o conto é um prefácio.