sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Relato de um delirium tremens

São meia noite... Diz o Okaran que é tempo de mudança, de passagem. Não vejo muita evolução na minha situação, teimo sempre nos mesmos ofícios, pensar, ler e, claro, beber em demasia. E sempre que desvio desta trindade divina, acabo me arrependendo. Apesar de toda esta ânsia que me arrebata, sou ainda discípulo de Baco, não deixo a tragédia pender para um lado só. Frederico? Sente aí, meu velho. De qualquer modo:
- Laroiê, Exu!
E só para não dizer que te desrespeitei, dar-lhe-ei um bom cigarro. Pronto. Estamos reconciliados? Ótimo.Retomando... Presumo que as pessoas não mudem, as causas secretas são sempre as mesmas, só mudam as roupas. Machadão! Sinta-se a vontade. Por vezes penso se eu não precisaria de uma convicção, uma ideologia pela qual morrer, uma crença, algo que me preencha os dias vazios. Já cansou-me o recreio de gracejar com o amor. Mas não posso negar que enchem-me de um certo saudosismo, todas essas lembranças. Não, não... é a cachaça. Huxley? Venha cá, homem. Puxe uma cadeira. Olha só quem está aqui... Edmundo... Martinho... Bretano...
Que beleza, esta paisagem pálida e pontiaguda... Estes homens com suas carecas impregnadas de sebo... sorrindo, com os dentes castanhos, para as cinqüentonas lascivas de batom rubro, que impõem as saliências com estes decotes arqueados.
Um mulatame só... Digno dos botecos mais pestilentos! Grande Liminha, pegue uma cândida na minha conta.
Penso eu que sempre acabarei voltando para cá... Este bar é a minha casa... aqui venho arejar as idéias, esclarecer, clarificar... Aí está! Quero fazer daqui o meu jazigo! Que acha, Immanuel?
Epitáfio? Epitáfios são clichê, meu amigo. Sou irreverente, quero algo além... farei de um rótulo de vodka minha inscrição tumular. Sepulcralmente alcoolizado.
Sabe, Guto... vejo muitos de vocês aqui dando ênfase ao dualismo em suas obras... Que asnice!
O dualismo é corolário da imposição moral religiosa de bem e mal... somos todos além disso, além do bem e do mal, transvalorizamos todos os valores. Não obstante... não deixa de me instigar a obra que preza pelos meios soturnos. É de uma roupagem deleitável.
Meu bucho, meus intestinos, meu gargalo, meus beiços... está tudo imbuído de álcool. Estou sozinho... como sempre quis! Encontrei a paz de espírito que só se encontra no convívio dos livros, dos mortos e dos ausentes.
Evoé, minha turba!
- Evoé!
Que fazes aí introvertido, Plauto? Junte-se a nós.
João Paulo... sei que você, ainda que como eu, amante das promíscuas, sempre maldisse meu hábito de escolher mulheres pelo intelecto. À despeito disso, todas elas me pareceram, depois que rebentaram as férias, décadents. Sinto falta daquelas psiques atraentes...
Não é que eu queira difamá-las, é só uma leitura de conduta. Veja... não é o Watson na outra mesa? Velho carrancudo!
O quê? No balcão? Ora... sim... é ela! E como é deliciosa...Que bela moça...O quê? Ir ter com ela? Nunca! Já faz tanto tempo...Não sou de perecer por memórias. Está bem, está bem... já que instam tanto.
- Olá, minha formosura...
- Que queres?
- Quero este corpo esbelto.
- Saia daqui... estás bêbado.
-E tu... estás linda.
Ai... a maldita deu-me uma bofetada. Não era ela... era só uma garçonete.
Voltaire... és um zombeteiro.
Garçom... Traga mais uma!

3 comentários:

Laura Veridiana disse...

Entrará pros anais, se não da humilde literatura brasileira, pelo menos de alguma garçonete boazuda. Você escreve cada vez melhor, até me enerva.

Laura Veridiana disse...

Me lembrou Veríssimo, o pai: o que fazer se não comer, amar e dormir? O resto são frescuras importadas, francesas. Rodrigo Cambará escarra no chão da cozinha.

O Idiota disse...

Laura, cada vez me apaixono mais pelas suas glosas.
São magníficas...
Enfim, de que me importa as extravagâncias da high-life acadêmica, se tenho, em meus braços, o corpo morno, volumoso e ofegante de uma rapariga?